Superdotados também precisam de inclusão


Adriana Vazzoler-Mendonça*
Crianças com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) podem ser identificados muito cedo, outros mais tarde, e alguns na vida adulta. Adriana descobriu que tem essa condição neurológica aos 48 anos de idade e, motivada por seu drama pessoal, dedica-se a pesquisa e atendimentos para facilitar a vida de adultos AH/SD, aliviar suas dores e angústias existenciais ou simplesmente ajudá-los a dar algum sentido para um dia de cada vez.

- O que são Altas Habilidades/Superdotação?

É o nome de uma condição neurológica, de um cérebro que funciona um pouco ou muito diferente da população em geral. Geralmente essa neurodiversidade resulta em inteligência mais desenvolvida que os coleguinhas e irmãos da mesma idade. Devido ao desenvolvimento atípico, a criança pode ser muito boa em algumas matérias da escola e mediana ou ruim em outras. Pode ocorrer de ela ser excelente em algum esporte, arte, música, idiomas, matemática, filosofia, espiritualidade, ou qualquer outra área do conhecimento, desde muito cedo, muitas vezes autodidata, o que pode vir acompanhado de espanto e preocupação por parte dos familiares.

- Mas por que ter um filho inteligente seria motivo de preocupação?

Porque o superdotado não é exatamente inteligente. Se ele fosse só inteligente estaria ótimo, ideal. O problema é que a mesma condição neurológica que o faz muito inteligente, traz também uma gama de possíveis complicações comportamentais. O principal é o sentimento de inadequação. A criança desde cedo percebe que ela é diferente, mas não entende por quê. Ela não se interessa pelas atividades, conversas, brincadeiras, passeios dos amigos e primos. Por outro lado, as coisas pelas quais ela se interessa, muitas vezes, só ela se interessa. Ela e um menino no Zimbábue, que ela conheceu em um chat sobre o tema, mas com quem os pais proíbem de conversar, por ser um assunto para crianças mais velhas. O isolamento passa a ser uma opção muito mais interessante que o que a vida real oferece.

- Então crianças e adolescentes isolados, vivendo no celular, são superdotados?

Alguns são. A ONU estima que sejamos de 2 a 5% da população mundial. Assim até uns 5% desses solitários grudados no computador ou no celular podem ter AH/SD. E podem acabar como qualquer pessoa comum deprimida se seus talentos e habilidades não forem desenvolvidos em tempo de fazer diferença em suas vidas. Nós podemos diferenciar uma criança AH/SD das demais pelo alto desempenho em alguma área, grande interesse por alguma coisa, atenção longamente sustentada quando se dedica àquela coisa, criatividade incomum e o mesmo desempenho acima da média em todos os ambientes: na escola, em casa, no social, na igreja etc. Essa é a primeira pista. As avaliações neuropsicológicas completas são as ferramentas mais indicadas para revelar se o pequeno astrônomo, além de ser bom em astrofísica, também tem ansiedade ou depressão. Há quem ainda considere número de QI – Coeficiente de Inteligência – para definir quem é AH/SD ou não, mas certamente os testes de QI que conheço não podem medir as altas habilidades de um bailarino, atleta, filósofo, cozinheiro ou outra alta habilidade que não envolva saber o significado de dezenas de palavras em português e raciocínio lógico-matemático. O QI medido por esses testes pode revelar inteligência mediana de um gênio da ginástica olímpica. Mas o sentimento de inadequação pode acabar com qualquer motivação dessas crianças e elas poderão tentar parecer normais, na busca de ter mais sucesso na vida. Esse é a síndrome do impostor: parecer ser o que não é.

- E como os familiares podem ajudar?

Estando atentos e conversando muito com as crianças que estiverem sob sua tutela. Evito rotular “pais” e “filhos” porque na sociedade atual temos diferentes configurações familiares: avós criando netos, irmãos mais velhos criando irmãos mais novos, duas mães, um pai sozinho etc. Temos que estar atentos também à comunicação escrita, para que seja inclusiva. Os familiares podem ajudar sabendo o que interessa às crianças e adolescentes e onde eles poderão obter daquilo que lhes interessa. Se a escola não lhes for interessante, converse com eles para que terminem os estudos até o ensino médio, já que não temos Homeschooling em nosso país, que é a escolarização no lar, feita pelos familiares ou por professores particulares contratados. No Brasil, é dever dos responsáveis legais matricular as crianças dos 4 aos 14 anos de idade e, caso faltem com essa obrigação, são denunciados por crime contra a criança e o adolescente pelo Ministério Público. Assim, na escola todo mundo tem que ir. Mas, no contraturno, os familiares devem procurar prover daquilo que lhes faz os olhos brilhar e que os enche de alegria e satisfação. Se eles não souberem exatamente o que é, temos que ajudá-los a explorar o mundo e descobrir. O gosto também muda com a idade e, para alguns, muda com as estações do ano, para outros muda no mesmo dia. Crianças superdotadas são assim mesmo. Porque aprender é uma atividade que requer emoção, envolvimento afetivo com o processo e o objeto de estudo. E se o respeito, aceitação das diferenças e inclusão começar em casa, haverá mais chances de essa pessoa ser um adulto com boa autoestima e exercendo suas melhores competências a serviço do bem de mais alguém além dele mesmo.

*Adriana Vazzoler-Mendonça é Psicóloga, Arquiteta, tem especialização em Gestão da Qualidade e em Administração. Trabalha com Neurofeedback e Biofeedback na Clínica Kaleidoscopio em Campinas-SP. É também Coach em Diversidade, Inclusão e Acessibilidade na escola, no trabalho e na vida, em especial para adultos com Altas Habilidades/Superdotação. Email adriana.italia@gmail.com, WhatsApp 19 99175-9893.