Tudo sobre a Febre Amarela: entrevista com o pediatra Dr. Paulo Falanghe



Um assunto que tem preocupado bastante a população – e especialmente nós, mães – é a febre amarela. Isso porque, o Brasil começou 2017 com o maior surto de febre amarela dos últimos anos, e os estados de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo são os mais afetados pela doença. 

Pensando nisso, convidei o Dr. Paulo Tadeu Falanghe, pediatra e diretor da CdVac (Centro de Vacinação) de Piracicaba, para esclarecer todas as dúvidas sobre a doença. Vale a pena conferir e se informar!

- O que é a febre amarela?

Dr. Paulo Falanghe: A febre amarela é uma doença febril, viral (vírus tipo arbovírus), aguda, transmitida por mosquitos infectados. O adjetivo "amarelo" designa a tonalidade da pele que afeta alguns doentes.

- Qual é o quadro da doença no Brasil e no mundo atualmente? Já teve casos aqui em Piracicaba?

Dr. Paulo Falanghe: Este vírus é endêmico nas zonas tropicais da África e na América Central e do Sul.

A maior parte do território do Brasil é considerada região endêmica ou área de transição para febre amarela. Excetuam-se as regiões contidas na grande faixa litorânea desde o Piauí até o Rio Grande do Sul.

Não há casos relatados e ou notificados em Piracicaba até o presente momento. Mas, no estado de São Paulo houve dois óbitos confirmados em 2016: em março no município de Bady Bassit, e em dezembro em Ribeirão Preto.

Como ocorre a transmissão da doença?

Dr. Paulo Falanghe: A transmissão se dá pela picada de mosquitos infectados, em dois ciclos epidemiológicos:

-Silvestre: no Brasil, participam deste ciclo os vetores (mosquitos) dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Os macacos (primatas não humanos) são os principais reservatórios do vírus, e o homem é considerado hospedeiro acidental neste ciclo.

-Urbano: os principais vetores são do gênero Aedes; único hospedeiro é o homem, mas não se registram casos de febre amarela transmitida em ciclo urbano desde o ano de 1942.

- Quais são os grupos/fatores de risco?

Dr. Paulo Falanghe: Não existem grupos específicos mais ou menos suscetíveis, mas sim não adequadamente vacinados e decorrentes de:

-Trabalho ou atividades em florestas: nas florestas tropicais, os macacos, que são o principal reservatório da febre amarela, são picados por mosquitos selvagens que passam o vírus para outros macacos. Ocasionalmente, os humanos que trabalham ou viajam pela floresta são picados por mosquitos e contraem a febre amarela (Febre amarela silvestre).

- Mosquitos semidomésticos (os que proliferam tanto na selva como junto das casas) infectam tanto os macacos como as pessoas. O maior contato entre as pessoas e os mosquitos infectados gera uma maior transmissão (Febre amarela mais comum na África).

- Pessoas infectadas introduzem o vírus em zonas densamente povoadas, com elevada densidade de mosquitos, e onde a maioria das pessoas tem pouca ou nenhuma imunidade, por não estarem vacinadas. Nestas condições, os mosquitos infectados transmitem o vírus de pessoa para pessoa (Febre Amarela Urbana).

- Quais são os sintomas da Febre Amarela?

Dr. Paulo Falanghe: Uma vez contraído, o vírus da febre amarela mantém-se em incubação no corpo durante 3 a 6 dias. Muitas pessoas não apresentam sintomas, mas quando estes ocorrem, os mais comuns são febre, dores musculares, sobretudo nas costas, dores de cabeça, perda de apetite, náuseas ou vômitos. Na maioria dos casos, os sintomas desaparecem após 3 ou 4 dias e não deixam sequelas.

Entretanto, uma baixa percentagem de doentes entra numa segunda fase mais tóxica no espaço de 24 horas, após a recuperação dos sintomas iniciais. Voltam a ter febre alta e são afetados vários órgãos, normalmente o fígado e os rins. Nesta fase, é provável que as pessoas desenvolvam icterícia (amarelecimento da pele e dos olhos, daí o nome “febre amarela”), urina escura e dores abdominais com vômitos. Pode ocorrer sangramento da boca, nariz, olhos ou estômago. Aproximadamente metade dos doentes que entram na fase tóxica morrem no período de 7 - 10 dias.

- Em relação às crianças, com quais sintomas/sinais devemos nos preocupar? A partir de que momento devemos procurar ajuda médica?

Dr. Paulo Falanghe: A febre é sempre o sinal de alerta. Também é muito importante o relato de febre em pessoas, especificamente crianças advindas de área sabidamente endêmicas, no prazo de 3 a 6 dias. Como visto, a febre pode ter uma evolução favorável na maioria dos casos, mesmo sendo febre amarela, na fase inicial. Uma menor porcentagem dos casos há o reaparecimento da febre após esta fase inicial, em que há os sintomas mais evidenciados da febre amarela.

Febre com duração maior de 48 h em bom estado geral ou mesmo febre a qualquer tempo com alteração do estado geral é motivo mais que suficiente para fazer avaliação médica.

Como é feito o diagnóstico de febre amarela ?

Dr. Paulo Falanghe: A febre amarela é difícil de diagnosticar, especialmente durante a fase precoce. A doença mais grave pode ser confundida com outras doenças, como a leptospirose, hepatite viral (especialmente nas formas fulminantes), outras febres hemorrágicas, infecções com outros vírus (dengue, por exemplo) e envenenamento.

Os testes de sangue podem, por vezes, detectar o vírus na fase precoce da doença. Nas fases mais tardias da doença, é necessário fazer o teste para identificar anticorpos (sorologia).

No período toxêmico (fase tardia) pode haver reaparecimento da febre, mas o que mais marca esta fase são os sintomas decorrentes de insuficiência hepática (icterícia, aumento das transaminases), alterações do coagulograma, plaquetopenia, hipoglicemia e sinais de insuficiência renal (oligoanúria, proteinúria, uremia).

Como é o tratamento da febre amarela ?

Dr. Paulo Falanghe: Um tratamento correto e de apoio nos hospitais melhora as taxas de sobrevivência. Atualmente, não existe um medicamento antiviral específico para a febre amarela, mas há cuidados específicos para tratar a desidratação, a insuficiência hepática e renal e a febre, que melhoram os resultados, principalmente quando tratados em unidades de terapia intensiva. 

A febre amarela é uma doença grave?

Dr. Paulo Falanghe: A Febre Amarela é considerada uma doença grave pois, apesar de uma pequena percentagem de doentes que contraem o vírus revelem sintomas graves , cerca de metade destes morrem no prazo de 7 a 10 dias.

Quem precisa/deve se vacinar atualmente?

Dr. Paulo Falanghe: Não é recomendada a vacinação contra Febre Amarela de pessoas vivendo fora de áreas endêmicas, uma vez que o risco da vacina pode suplantar os benefícios. 

Só é recomendada a vacinação para febre amarela em pessoas vivendo ou que vão viajar para áreas endêmicas para febre amarela, conforme orientação do Ministério da Saúde. 

A vacina é recomendada para pessoas entre 9 meses e 60 anos de idade, desde que não estejam imunossuprimidas, gestantes e mulheres em lactação.

Para viajantes para áreas com recomendação de vacinação, uma dose deve ser aplicada até 10 dias antes da viagem. Em caso de viagem a países que exigem o Certificado Internacional de Vacinação, o Regulamento Sanitário Internacional exige somente uma dose, que também deve ser aplicada pelo menos 10 dias antes da viagem e é considerada válida por toda vida.

Pessoas com mais de 60 anos deverão ser avaliadas em relação ao risco/benefício para recomendação de vacinação. 

- A vacina deve ser tomada quantas vezes na vida?

Dr. Paulo Falanghe:  Segue abaixo o esquema de doses recomendadas pelo Ministério da Saúde e Sociedade Brasileira de Imunizações.

Nas áreas brasileiras com recomendação de vacinação:

1. Rotina: duas doses - aos 9 meses e aos 4 anos de idade;

2. Pessoas não vacinadas na rotina ou em atraso com esquema de duas doses: devem se vacinar a qualquer momento;

3. Crianças menores de 4 anos: aplicar a primeira dose a partir dos 9 meses e segunda dose aos 4 anos, respeitando intervalo mínimo de 30 dias entre elas;

4. Pessoas a partir de 5 anos de idade, que receberam a primeira dose da vacina antes de completar 5 anos: aplicar a segunda dose, com intervalo mínimo de 30 dias entre elas;

5. Pessoas a partir de 5 anos de idade, que nunca foram vacinadas ou sem comprovante de vacinação: aplicar a primeira dose da vacina e depois de 10 anos, a segunda;

6. Pessoas com 60 anos ou mais que receberam a primeira dose há mais de 10 anos, que nunca foram vacinadas ou sem comprovante de vacinação: faixa etária com maior risco de eventos adversos, portanto apenas aplicar a primeira dose após avaliação médica do risco-benefício e agendar segunda dose depois de 10 anos; para a revacinação não é necessária avaliação médica;

7. Pessoas de qualquer faixa etária que receberam duas doses da vacina são consideradas adequadamente imunizadas, não sendo recomendadas outras doses.

- Há como se prevenir da Febre Amarela ?

Dr. Paulo Falanghe: A vacinação é o meio mais importante para evitar a febre amarela. Nas zonas de alto risco, onde a cobertura vacinal é baixa, o reconhecimento e o controle rápido dos surtos, usando a vacinação em massa, é fundamental para evitar as epidemias. É importante vacinar a maioria (80 % ou mais) da população de risco, para evitar a transmissão numa região com um surto de febre amarela.

No Brasil estão disponíveis duas vacinas, a produzida por Biomanguinhos –Fiocruz, utilizada pela rede pública e a produzida pela Sanofi Pasteur, utilizada pela rede privada. Ambas compostas de vírus vacinal amarílico vivo atenuado cultivado em ovo de galinha.

A eficácia estimada dessas vacinas é de 95%.

No Brasil, a Sociedade Brasileira de Infectologia emitiu um comunicado interessante de fatores individuais para proteção de picadas de mosquito:

- Usar camisas de mangas compridas e calças.

- Ficar em lugares fechados com ar condicionado ou que tenham janelas e portas com tela, para evitar a entrada de mosquitos.

- Dormir debaixo de mosquiteiros, preferencialmente impregnados com permetrina.

- Não usar perfumes durante caminhadas em matas silvestres, pois perfumes atraem os mosquitos.

- Usar repelentes registrados oficialmente. Quando usados como orientado são seguros e eficazes, mesmo na gestação ou amamentação.

- Sempre seguir as orientações das bulas.

-Evitar uso de produtos com associação de repelente e protetor solar na mesma formulação. Ocorre diminuição em um terço dos fatores de proteção solar quando utilizado juntamente com o DEET (tipo de repelente).

- Se for usar protetor solar, aplicá-lo antes da aplicação do repelente.

Para crianças

- Não usar repelente em crianças com menos de dois meses de idade.

-Vestir as crianças com roupas que cubram braços e pernas.

- Cobrir berços e carrinhos com mosqueteiro impregnado com permetrina.

-Não aplicar repelente nas mãos das crianças.

- Pode-se utilizar roupas impregnadas com permetrina.

- Não usar produtos com permetrina diretamente na pele.